Finalmente me senti confortável para escrever algo que não tenha um título. Eu mantive por muito tempo um hábito completamente evasivo de colocar um nome. Nos livros. Nos poemas. Nos meus ensaios. Nunca me permiti viver sem denominação. Grande estupidez! Tão nova e tão, absolutamente, inerte em próprias regras. Mas que esse momento não tenha mais nome nenhum. Que a limitação circunscrita esteja abrandada pela minha sensibilidade em, sem precedentes, deixar estar. Me pergunto se há necessidade de tantos paradigmas em minha vida. E me magoa perceber que, simplesmente, não sou mais capaz de quebrar as regras. As minhas próprias se transformam em normas fundamentais hipotéticas sem as quais seria incapaz respirar.
Mas, é quando eu encontro a melodia certa, silenciosa, que as denominações se esvaem céu afora. Elas são tão raras de se encontrar. E a busca, ao final das contas, é nunca acha-la. Não sei muito bem se essa frase se encaixa. Mas o fato é, onde foi parar a música certa da minha vida?
Preciso confessar, costumo sentar na praça aos sábados, carregar um exemplar de um pocket qualquer, me acomodar em um dos arranjos para turistas e, profundamente, degustar o momento, o vento, as frases, o sol que queima a pele sem que percebamos. Gosto de olhar o movimento dos dedos pelas peças de artesanato, os olhos nos discos antigos. Os colares. Os anéis. E os dedos novamente. E é nesses momentos que pareço encontrar um sublime espaço de tempo onde a música certa da minha vida parece estar. Não que precise de melodias e canções. Mas sem que eu perceba, a música certa está ali, germinada na eternidade de um momento de solidão. Solidão das boas, que te refresca a alma. Solidão que te extrai o sumo de si. Essa música que toca me faz enxergar minha juventude como uma bela memória. Muito embora eu ainda esteja na cena do espetáculo, eu mantenho o costume de viver pensando no que vou pensar. Costumo viver para lembrar das coisas. E me agarro aos sentidos, para que eles sempre estejam comigo. Ao tato, ao cheiro (inexplicável como podemos nos guardar nos cheiros pela vida), ao gosto de nata que fica na boca, ao sorriso que escapa quando se vê alguém dançando a música certa da vida dela.
Esses momentos de música certa são inomináveis. Podemos passar a vida inteira procurando ou esperando. Ela só irá nos achar quando fecharmos os olhos protestando o sono. Quando o balanço da cadeira parar. Quando se perder o metro porque os olhares se fixaram no além. A música certa inominável da nossa vida vai tocar no dia que não trocarmos de roupa, não lavarmos o rosto. Ela vai começar a sussurrar no peito como uma incerteza. Ela vai trapacear e se fazer de fugacidade para no momento certo fecundar-se no eternizar do tempo.
Hoje eu mesma não tenho nome. Quero ser alguém cuja vida faça existir uma música certa. Mesmo errada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário