terça-feira, 29 de março de 2022

Uma vida simples, sentimentos nem tanto

Outro dia, sentada na cadeira de plástico do churrasquinho da esquina, eu chorei. Tentei explicar as razões, mas não consegui. Falei palavras em meio às mordidas, molho e farinha. Na mesa, ficou o palito e vácuo da incompreensão do que eu sinto.

Também outro dia, também numa mesa, me pediram para pensar no grande problema da minha vida, aquele que apenas eu soubesse, ninguém mais. Aquela dor cativa, que a gente às vezes até gosta de cultivar, para ter algo para chamar de nosso [uma dor específica, de um ocorrido trágico, irrepetível, mas único, também é uma forma de nos distinguirmos no mundo]. Pensado no problema, escolhi o único objeto de cor da mesa. Grande. Distinto. Vibrante. Sequer olhei para as xícaras de café. Ou as colheres pequeninas, úteis, na minha frente. Uma taça de gin de acrílico azul. Meio cheia, meio vazia, com gelo pela metade.

Esses são os momentos que nos obrigam a ver dentro de nós. Um palito de churrasquinho, que não conta história alguma, mas revela o desespero de engolir tudo, rápido, tirar da vista. Uma taça de acrílico azul, o espaço importante do segredo.

Para finalizar, convém que eu diga uma frase ouvida há poucos meses: não manter reservas com o mal. Com ele, não criar intimidade, e nem discrição. O segredo do que mal fazemos é como um refúgio da maldade na gente. Confessa a maldade e não terá concessões.

Uma vida simples, eu disse. Pode ver. Sentimentos, nem tanto.

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