sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Caminho

 "A mãe de uma amiga redescobriu o câncer que acreditava ter vencido há alguns anos". Era uma quinta-feira quando ouvi minha colega de trabalho relatar esse fato. A disse, em resposta, o que sempre repito quando me falam da morte, ou da sua iminência: "dizem que só vivemos uma vez. Mas, quantas vezes morremos?". Expliquei que esteve aí o motivador da minha busca e do meu encontro com Deus. Sempre me foi pouco supor que essa vida seria o fim. Finalizei dizendo que havia uma única certeza, apesar de todas as incertezas que era viver: ou viríamos a partida ou partiríamos nós. Era preciso se preparar para perpassar por ambos os momentos com visão transcendental. Indiquei um livro e, precedida de um profundo suspiro por parte dela, a conversa se encerrou.

O trabalho continuou, naquele dia, como acontece com a vida, em todos os outros dias, tendo a morte feito parte ou não dele.

Nada foi dito até a próxima segunda-feira, quando, assim que entrou em sala, declarou: "a mãe da minha amiga faleceu". Abaixei a face em um sincero ato de contrição. Me deparar com a morte causa isso. Urgência, arrependimento, medo, e, ao fim, um pedacinho de esperança. Meus pensamentos foram interrompidos por essa mesma colega dizendo: "me lembrei de você durante o velório, ao pensar que havia algo diferente ali. Uma oração silenciosa feita em paz pelo os que se despediam. Um pesar agradecido pela oportunidade de atravessar. Uma família católica, religiosa, crente, terna e duramente agradecida a Deus. Você esta certa. Havia algo maior ali". Sabemos que sim.

Desperdiçar a vida é desperdiçar a morte, derradeira e única chance de triunfar.


"Aos 'outros', a morte os paralisa e assusta. A nós, a morte - a Vida - dá-nos coragem e impulso. Para eles, é o fim; para nós, o princípio".


terça-feira, 4 de outubro de 2022

Estou de pé, é importante que isso seja dito. Não no chão (também não nas nuvens). Em pé (ainda que de joelhos, grande parte do tempo). 

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Sentados na areia, olhamos para o mar. Ali esteve o prefácio do nosso amor, você sabe. Foi para o infinito do azul da utopia dos sonhos que nossos olhos olharam juntos para um mesmo lugar, pela primeira vez. Há doze anos. Numa enseada eterna de esperança, cor dourada do sol nascendo que bordamos, também, na costura da nossa vida.

Meu amor, não haveria nenhuma outra estrada. Você sempre foi um caminho. Armadura. Terra. Farol. Chegada. Chuva, que a tudo fez brotar. Sino, que a tudo anunciou.

Existe o mundo, eu sei. Mas, o que ninguém sabe é que o meu* mundo só existe com você.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Te dou o mar. Mas, saiba que é feito das lágrimas que derramamos. Será salgado, eterno, morno. Flutuará por ele como foram as emoções. Por ora, tempestades te farão temer e não velejar. Por ora, se encontrará no ponto mais alto de uma onda e deslizará por ela, como esta mesma água fez dos seus olhos. O mar dos seus olhos, te dou mais uma vez. E sempre. Também a dor é um laço, como a felicidade. Demos pelas duas as mãos, em um imenso e irrevogável mergulho. 

quinta-feira, 26 de maio de 2022

O perdão é o fim

Houve uma pessoa a quem muito amei. Uma amizade que me doeu (e custou) deixar partir. [Veja, mesmo a voz passiva que emprego indica o problema de tudo, a origem do fim]. 

Na impossibilidade de manter o afago, pois já havíamo-nos ferido, mantive o conflito, uma forma de fazer perdurar um vínculo. Pesava-me mais o nada que a batalha. A batalha, na verdade, foi uma forma de manter um futuro onde houvesse nós duas em cena.

Cultivar o conflito era o medo do desenlace. A tentativa do "talvez". Quem sabe tudo pudesse voltar a ser como antes? Ainda há o que resolver, um problema para enfrentar. Uma conversa por fazer. Um por vir, mesmo que originado do atrito.

O fato é que a conversa chegou. E com ela, uma enchente. Lágrimas, tristeza, cólera. Arrastou tudo o que houve em meio a sentenças como "o que aconteceu entre nós?" / "eu te perdoo" / "você sempre foi dona do meu perdão". Olhávamos fundo d'alma. Reconhecíamo-nos do passado, mas não sabíamos mais quem erámos.

No fim das contas, ocorreu o previsto: o perdão que nos demos foi o fim do futuro que reservávamos para a guerra. Depois dela, nada restou.

[Há batalhas que escolhemos para mantermo-nos vivos. Há batalhas que escolhemos para que os outros vivam em nós].

terça-feira, 29 de março de 2022

Você sabe que esse recado é pra você. Me liga, vamos jantar num lugar legal, eu devo estar com fome. Enquanto a comida não chegar, falaremos e filosofaremos. Eu direi: "deveria escrever um livro", sonhando. Você dirá: "escreva", simples assim. 

"Simples assim" é o que eu mais amo em você. Simples assim é tudo que você não é, o meu maior labirinto, meu único mistério.

Uma vida simples, sentimentos nem tanto

Outro dia, sentada na cadeira de plástico do churrasquinho da esquina, eu chorei. Tentei explicar as razões, mas não consegui. Falei palavras em meio às mordidas, molho e farinha. Na mesa, ficou o palito e vácuo da incompreensão do que eu sinto.

Também outro dia, também numa mesa, me pediram para pensar no grande problema da minha vida, aquele que apenas eu soubesse, ninguém mais. Aquela dor cativa, que a gente às vezes até gosta de cultivar, para ter algo para chamar de nosso [uma dor específica, de um ocorrido trágico, irrepetível, mas único, também é uma forma de nos distinguirmos no mundo]. Pensado no problema, escolhi o único objeto de cor da mesa. Grande. Distinto. Vibrante. Sequer olhei para as xícaras de café. Ou as colheres pequeninas, úteis, na minha frente. Uma taça de gin de acrílico azul. Meio cheia, meio vazia, com gelo pela metade.

Esses são os momentos que nos obrigam a ver dentro de nós. Um palito de churrasquinho, que não conta história alguma, mas revela o desespero de engolir tudo, rápido, tirar da vista. Uma taça de acrílico azul, o espaço importante do segredo.

Para finalizar, convém que eu diga uma frase ouvida há poucos meses: não manter reservas com o mal. Com ele, não criar intimidade, e nem discrição. O segredo do que mal fazemos é como um refúgio da maldade na gente. Confessa a maldade e não terá concessões.

Uma vida simples, eu disse. Pode ver. Sentimentos, nem tanto.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Orgulho e perdão

No enlace do pecado que se acomoda disfarçadamente no meu sorriso, deixo-me escapar, escrupulosamente, o jugo do orgulho. Esse que me assegura a clemência de perdoar-me sempre, pois merecedora me tenho. Da estrada que percorri, a entendo como própria, minha, digna dos meus pés. Não reconheço o mais que tenho, sem merecer. Não partilho, não deixo nada para trás. Carrego tudo, porque, ora, suporto! Como não faria? 

"Deus, ofereço tudo", mas depois. Não agora. Agora, preciso do dinheiro para mobiliar o apartamento. Contar com o perdão de Deus, esse é o meu pecado.