segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Eu odeio ouvir "não", porém é preciso

De volta a 2009. Estou sentada no meu quarto em Colatina - duas camas, uma mesa de plástico branca e  redonda no meio delas; em cima, meus cadernos espalhados, canetas e rascunho -, as pernas estão, lado a lado, fazendo a curvatura do colchão, direcionadas ao chão. Eu olho uma parede branca que não tem fim. Do meu lado esquerdo, o vidro da janela que quebrei com a mão, num momento de raiva. Eu amava aquele lugar, mas precisava fugir dali.

Por trás, como em modo retrato dos telefones atuais, um mundo de opiniões sobre mim. "Não sabe ouvir não. Não sabe ser grata. Não para de sonhar. Siga a receita, Brigida, esta pronta e o bolo irá crescer, não solar. Faça bolinhos de chuva, os lambuze no açúcar e fique nessa cidade que te viu crescer, você pertence aqui. Não há motivo para fugir, sempre iremos te alcançar. Terá desse lugar em toda parte que você possa ir, porque você o levará consigo. Coma os bolinhos de chuva que você fez com café. É essa a vida, cheia dessas coisas todas que a gente perde e tem que se contentar".

Estou sentada de frente para minha parede, que é branca. Eu vejo um quadro e estou com o pincel na mão. Eu vou escolher as cores, eu sei. Mas, eu amava aquele lugar, não mexeria num só detalhe. Ainda assim, era preciso fugir.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Listening to the same song for almost a decade now. Somehow, can travel back then, when a girl laying on her bed was dreaming about a life she couldn't even dimension. How do we get here? Can't say time flew by, cause it is just not true. 

Time for another decade. Not looking for news songs.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Maçaneta

Alguns odiarão a maçaneta, porque ela fecha caminhos e obstrui passagens. Alguns a amarão, no entanto, porque nela fica a imagem da chave virada, abrindo a jornada adiante. Alguns odiarão a maçaneta, porque ela abre passagem a quem (ou aquilo) que queriam que ficasse. Alguns a amarão, no entanto, porque nela fica a imagem do chegar em casa, trancar a porta e descansar seguro. No fim das contas, as coisas, elas próprias, pouco dizem sobre o mundo. As pessoas são elas mesmas e suas circunstâncias. Girando as maçanetas, abrindo e fechando a vida.



Não pise na restinga

“Nem sempre é fácil saber para qual direção a restinga poderá evoluir, ou mesmo se permanecerá estática. Afinal, tudo nela depende da forma da incidência do mar, das marés, dos ventos”. Que coisa! Talvez seja por isso que, embora a placa diga “restinga”, eu tenha conseguido ler: “sonhos”, “sentimentos”, “coração”.

Confissão

“Não procures, minha filha, no tempo o que é dado à Eternidade”, ele me disse. Estremeci, tamanha a força dessas palavras.

“Mencionastes, minha filha, que nascestes em Colatina. E noto que és descendente de italianos. Os seus bisavós, vindos de longe... trouxeram bens?” Eu lhe disse que não. “Trouxeram diplomas?”. Eu lhe disse que não. “Trouxeram ferramentas de trabalho?” Não, eu lhe repetia.

E já nem me lembro do quanto eu neguei. Uma pausa se fez, no entanto, e de repente:

“Trouxeram riquezas?” Não hesitei: “não trouxeram, Padre”.

Ele sorriu. “Trouxeram, minha filha. Trouxeram o que lhes havia de mais valioso. Trouxeram a sua família, os seus. Trouxeram uma Madonna no bagageiro. E a certeza do ofício, jamais do trabalho”.

Me senti pequena. Pois era verdade. “Trouxeram a Eternidade, prescindiram do tempo. Não se esqueça”.

Fui para fora. Olhei ao redor. Registrei essa foto. Esta lua neste céu. Este vôo. O Templo sobre a rocha. Não, eu nunca esquecerei.

Even this afternoon

 Duas frases me marcaram na última semana.


A primeira delas encontrei no livro de André Comte-Sponville, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. “O amor é a fidelidade da memória”. Poucas explicações bastariam a tão verdadeira constatação. Não se ama aquilo que se pode esquecer. E o amor se renova não pelo reencontro dos motivos que outrora fizeram a paixão, mas justamente pela conservação da lembrança que ela evoca. E que é causa e consequência do amor, propriamente. Não se ama todos os dias a mesma pessoa com amores diferentes. Senão, é o mesmo amor, que se perfaz no tempo.

A segunda veio de um diálogo em Yorkshire, em 1924, entre o exilado Príncipe russo Igor Kuragin e da condessa inglesa Lady Violet, em Downton Abbey. “I loved you more than I loved her”, ele diz. “Even today. Even this afternoon”. O que dizer senão que esse é o amor de Sponville? Ao que gentilmente damos o nome de “memória”? Décadas de exílio, não da pátria pós revolução, mas exílio do coração. “Even this afternoon”, ele a disse. Ainda naquela tarde ele a teria amado mais que a qualquer outra. E amando, continuaria a amar, pois não há mesura de tempo para o que não envelhece.

Enfim, as reflexões são devaneios que faço, pois não acredito que a vida seja simples, embora seja. O mesmo podendo ser dito para o amor.

Virtuoso é reconhecer-se não virtuoso

Não saber reconhecer as próprias virtudes é tão menos ou pouco virtuoso que a própria soberba e vaidade. Revela, no mínimo, desatenção às próprias capacidades e a ausência de disposição em as colocar ao melhor serviço do outro. Ora, se recebo em minha casa alguém que muito estimo, sirvo com o meu melhor. Se não conheço, não sou capaz de oferecer. Se me envaideço e me encho de afetação aos elogios no que sou boa, a virtude se volta ao meu próprio umbigo, o que a desnatura por natureza. Se não sou capaz de reconhecer sozinha minhas próprias virtudes, provavelmente estarei inapta a fazer o mesmo com meus desvios e faltas. Serei escrava do mundo, portanto. Mimada. Me desprezarei com o desprezo dos outros. Me envaidecerei com os aplausos alheios. Eis a receita perfeita para infelicidade. Eis o caminho correto para se perder.

Água marinha

Eu acho que amar uma pessoa é um sentimento simples, que não precisa de adereços. Na verdade, quanto maiores os penduricalhos, menos aterrado ele esta.


Amor a gente planta na terra, é isso. E aí, cada semente dá uma árvore diferente, um fruto diferente… Essa é a beleza do amor.

Tudo isso pra dizer que nessa foto a gente tinha 19 anos. Quantos se passaram? Eu sempre aumento, mas dez eu garanto. Enfim, não importa tanto, porque até o tempo pode ser usado de enfeite.

Importa o dia ontem. As roupas no varal. O parquet no chão. É a nossa história que joga a gente pra frente! Do jeito que ela é, cheia desses detalhes.

A simplicidade dessa certeza. Esse amor que cabe em qualquer cenário, prescinde de adereços todos.

(São onze anos).

O Credo que não é recitado

É preciso viver uma vida magnânima, conversávamos João Henrique e eu, no carro, ontem. Também, assim, eu li no capítulo 7 do livro: uma vida sem justificativas, omissões e mesquinharias.


Eram seis da tarde. Ele me deixava em casa, na ida para o plantão da noite. Me contava como a profissão que havia escolhido o tinha colocado de frente com o momento derradeiro, do qual todos tentamos escapar. Falava como, ainda naquela noite, poderia dar a pior notícia para alguém que aguardava em agonia.

Me disse sobre o tipo de médico que desejava ser. Pois não bastaria ser médico, era preciso escolher qual. Falou como na balança da vida, tudo deveria ser sopesado com a morte, pois assim seria em algum momento que não poderemos prever. E as mesquinharias se revelariam como tais.

Terminou dizendo, pois chegávamos no meu prédio, que nunca conseguiu decorar a oração do Credo, porque o Padre da catequese o tinha traumatizado quando o obrigava a declamar nas aulas. Eu ri. Uma vida magnânima, era o que estava no meu coração. Agora e na hora da nossa morte. Amém.

Amigo X de Natal

Eu gostaria de falar algumas palavras, pois acho importante que nós resgatemos o sentido de nos reunirmos aqui hoje para celebrar o Natal, independente das crenças que cada um individualmente possui.

O que é o Natal? Natal é o encontro desses dois "deuses" antagônicos, ao quais o homem renuncia igualmente: a eternidade e o tempo. E esse encontro - eternidade e tempo - nos permite recriar, reviver e reinventar a nossa vida, porque nos relembra que existe esperança e redenção, aqui, nesse mundo. 

Existe o perdão. Existe o amor. Existe a memória. Afinal, é justamente nessa data que sentimos a saudade das pessoas que nos deixaram.

Eu falava essa semana com João Henrique, que havia escutado uma frase que muito tinha me impactado: "quando a vida, esse desejo de viver, bater a nossa porta... precisamos abrir". Não podemos fazer como as hospedarias que negaram o repouso de Nossa Senhora, grávida de Cristo, e a destinou a tê-Lo em uma manjedoura, ao lado de animais.

É preciso abrir as portas da nossa morada para a vida.

Por isso, hoje, eu quero, em nome de nós todos, dedicar a nossa reunião, a nossa celebração, a Cristo, que desceu a nossa condição para sofrer e nos perdoar, remindo os nossos pecados com a sua própria dor. E gostaríamos que, antes que começássemos nosso amigo x, que fizéssemos na intimidade dos nossos corações, um momento de silêncio e oração. Que colocássemos nossas intenções desse novo ano perante Deus.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Pra quem você entrega o seu melhor?

Se for para qualquer um, já digo, nesta boa intenção padece um erro de premissa. O seu melhor, aquilo que te distingue dos outros seres, que desperta o amor, a intimidade, a sutileza dos momentos singulares, aquilo que é o seu tesouro... isto merece ser de poucos.

Não confunda isto com avareza de coração. Não. Seja para muitos, infinitamente e sempre. Espalhe bondade e sorrisos. Encantos e presteza. Coloque a sua alma a serviço do seu próximo. Mas, deixe-a que pertença a si e aos seus. Para que não se torne refém do que validam os demais.

Seja para muitos, eu digo, novamente. No entanto, seja de poucos. A sua assembleia de vozes, os seus juízes, os seus faróis. Não os dê facilmente a qualquer um. Aquilo que mais te pertence, é, também, o seu melhor. Não os vulgarize na trivialidade das relações.

Amar é pão feito em casa, diria Leminski. Frivolidade não é amar. E se engana quem não entende as reservas do coração.