segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Terra fértil

Março, para mim, é terra arada. Pronta para plantar. Nem sempre as sementes que caem de minhas mãos vingam ou dão bons frutos, porém. Sigo, ainda assim, semeando, plantando, adubando. A verdade é que nem sempre depende somente da gente ou das nossas sementes. Tem ano que há seca. Tem ano que as chuvas alagam as plantações.

Nessas horas, precisamos estar preparados para recomeçar. Arar e colher é isto: um movimento constante onde se equilibram um pouco de fé, um pouco de ação, um pouco de esperança, um pouco de frustração.

Março, para mim, é tempo de colocar as mãos na terra que é a gente e se conhecer. Se revirar. Molhar e sentir o cheiro da chuva em nós, por dentro. E assim, se fazer terra fértil daquilo que queremos que floresça no ano que há de vir, sabendo que nem tudo poderá brotar, mas que estaremos prontos para recomeçar a qualquer instante.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Eu levo um pouco de areia nos bolsos, para dar saudade do último mergulho que eu dei no mar. Do jeito que as ondas ajeitaram os meus cabelos para trás. Da sensação de infinito que só a água salgada é capaz de trazer, levando embora o cansaço e a desesperança. Que o primeiro mergulho é sempre um mergulho no imprevisível. E não há volta, depois que entrou no mar: ou se molha, ou se molha.

Eu deixo, também, um pouco de areia nas bolsas, para lembrar que sempre cabe uma coisa a mais, também no coração. E que não faz mal um pouquinho de desordem, pois nem tudo precisa perfeitamente se encaixar. Procurar faz parte do processo: e nada como uma bolsa de praia para me fazer entender isto. Quando ela estiver com bastante coisa e areia, terei que ser radical: tirar tudo de dentro, vira-la para baixo e sacudir. É assim também com a vida.

Eu deixo um pouco de areia nos pés, para lembrar de ter cuidado por onde eu pisar, pois um mínimo descuido desapercebido e pronto: o carro ficará sujo por alguns meses, até ter os tapetes novamente lavados. Andar com os tapetes sujos me faz lembrar que tenho responsabilidade pelo que faço. E pelo descuido do que não faço. E que não sou só eu que lidará com a bagunça que eu fizer, pois há sempre o banco do carona.

Eu deixo um pouco de areia no corpo, para lembrar do quanto exagero: bronzeador, eu passei. Que no afã de me amorenar, eu esqueci que o sol queima a nossa pele naturalmente, e que, às vezes, é melhor recuar e usar protetor, do que lamentar pela pele ferida, vermelha. Que há inteligência em dar dois passos para trás, quando assim for necessário. Não há bronzeado de um final de semana de acelerador  que supere o de um verão inteiro com protetor. 

Eu deixo um pouco de areia pelo coração. Para entender que, da onde eu vier, sempre trarei um pouco da praia comigo. É um furto consentido. Necessário e que me faz crescer. Pois, na pior das hipóteses, me faz aprender a conviver com o que incomoda e com o que me dá saudade.

As mãos, porém, eu sempre deixo limpas. As mãos eu uso para afagar, e ninguém deve sentir na pele a areia que eu carrego comigo. Delas, só sentirão o mesmo carinho que eu sinto, quando me sinto acolhida pelo mar.


Talvez eu não saiba 
Por onde ando a caminhar
Fecho os olhos
Porque não quero me acostumar
Com a escuridão.

Nem mesmo essas palavras
Saem de dentro de mim
As trago à força, à superfície
Pois já me sufoco, sozinha.

Vou me reencontrar em alguma esquina?
O velho eu, tão mais sábio que agora.

Fecho novamente os olhos
Fingindo que faz bem somente sonhar.
Engano o meu coração com pouco
Disfarço rastros de lágrimas, sorrindo.
Dançando.

Quanto de vazio há por trás desses olhos?
Fagulhas de uma prisão
Desleal e vitimista
Atordoada, amarrotada, atravessada, impregnada.

Vou me reencontrar quando a primavera chegar?
Ou serei mais uma daquelas sementes que se negam a florir?