domingo, 26 de janeiro de 2020

Ctrl+T+Del

Acabo de selecionar tudo que tinha há pouco escrito e apagar. Não pensei duas vezes. A música anterior acabou, a nova chegou, e tudo o que aqui estava deixou de fazer sentido. Na vida, tenho, também, muitas coisas por deletar. Talvez já o tenha feito, sem me dar conta. A decisão é necessária, no entanto, a ratificação do que é tácito. Não hesitarei. Ctrl+T+Del, e, como num passe de mágica, me liberto de angústias que já quase não sinto mais. De amizades que há muito deixaram de ser. De dores que já nos encarnam, a ponto de sumirem. Ou, a ponto de não conseguirmos as distinguir. Enfim. É tudo mesmo uma questão de sim e de não. A gente roda pela ciranda da vida sem querer enxergar que em todo o parque há a decisão inaugural. Que a gangorra somente desatina com o primeiro impulso. No balanço, é preciso, antes dos pés no ar, dos pés no chão, fazendo força. Para trás, ou para frente, primeiro, não importa. Em algum momento, você vai ter passado pelos dois lugares, necessariamente. É bonito que seja assim. De todo modo, subindo as escadas do escorregador para, logo em seguida, descer; ou girando sem parar no carrocel; é tudo, sempre, escolher. Escrever, selecionar, apagar. Colocar novas palavras no lugar. Trocar o que antes fazia sentido, e deixou, pelo o que faz. E, acreditar com todas as forças que durará. Até que tudo deva ser reposicionado, novamente. No mundo onde tudo anda, não andar não é ficar para trás. Não andar é escolher, simplesmente, ficar - o advérbio vem com o referencial, somente. Para alguns, a vida é maratona. Para outros, é velocidade. Para outros, é revezamento. Ou, pode ser, mesmo, com obstáculos. Andar ou ficar, é sempre uma questão de perspectiva. 

Ctrl+T+Del e talvez eu tenha feito a escolha certa em apagar. Jamais saberemos, no entanto, pois se foi junto com o ato de apagar aquilo a que ele se destinava.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Me sento aqui, revisando tudo o que eu acredito que sei.
Eu não quero mais escrever versos tristes.

No capô do carro, um pássaro azul e verde


Talvez poucos carreguem, no coração, um pássaro azul. No meu caso, ele é azul e verde. De toda forma, o que importa é que o trago no peito. E, agora, ao contrário de Charles, todos saberão que ele se encontra por aqui, dentro.

Mais do que no vidro do meu carro, ele pousou em mim, quando, me recusando a saltar, eu olhava à minha frente, pensando em nada e tudo ao mesmo tempo, tentando colocar em perspectiva a estrada, percorrida e a percorrer.

Tomei o seu pouso como uma mensagem (e assim faço com muitas coisas na vida) pois, no capô do carro, ele se demorou. Sem pressa, talvez porque eram seis e dez da manhã, e o vento da alvorada ainda carregava o fim da chuva da madrugada, do fresco do amanhecer. Sem medo, talvez porque confie nas suas asas, e por saber que poderá as bater sempre que se sentir inseguro, se dê o luxo da experiência e do explorar.

No fim das contas, foi isso mesmo que ele fez: voou. E eu, que nunca o quis guardado como um pacto secreto do meu coração, permiti a sua vida livre e o seu canto (não só quando estão todos ainda a dormir). Toda essa experiência, que me proporciona estes momentos de conexão, com Deus, e instalação da narrativa da minha vida nesta - única - realidade, me convence de que é suficiente - e uma dádiva - estar aqui. De que há muito para ver, sentir e fazer.

Engraçado, por fim, que ao digitar esse mini-enredo, por vezes bati na tecla do jogo da velha (#), e nela, prontamente, já se apresentava Bukowski como sugestão. Talvez os algoritmos tenham, mesmo, dominado as nossas vidas. Mas, prefiro ainda acreditar que guardamos domínio sobre muitas outras coisas. Por ter esta fé, para o meu pássaro azul e verde, eu abro as janelas.