segunda-feira, 26 de março de 2018

Amarelo

Ipê amarelo passou por mim. Sorri. E então um amarelo caiu enfeitando o chão.

Café e coração

Descalça, ela caminhou pelo assoalho de madeira, sentou na rede na ponta da varanda e descansou. Soltou seu corpo contra o tecido aconchegante e ali ficou observando do alto a cidade, o dia cinza por entre as nuvens carregadas de lágrimas. Com o balanço do vento ia o seu coração. Pensamentos pra frente. Pensamentos pra trás. De longe, ouvia-se a melancolia vindo da beira do mar. No que parecia mais um devaneio, todo o seu corpo se arrepiou com o soprar inexorável do tempo em seu rosto, da neblina que parecia se aproximar. Ali, ela soube: eram ventos de inverno.

Nesse inverno, porém, não nublaria por dentro. Dessa vez, ela enfrentaria o tempo gelado com café e coração quentes. 

segunda-feira, 12 de março de 2018

Retalhos e coleções

Gostaria de dizer muito do que guardo no coração. Sozinha, às vezes, choro, e em cada lágrima se faz uma batalha perdida. Do que guardo, dói mais o que não foi. O que ficou perdido nas entrelinhas. O que chegou ao quase, e em quase se eternizou. Aquilo que perdeu o brilho. Que perdeu o charme. Que ficou por remendar. A saia descosturada, junto com meia dúzia de palavras não ditas. Vou levando comigo rasgos e desajustes. Notas desafinadas, sorrisos amarelados, estrela caída, não mais cadente. Uma estranha e familiar melancolia, que desatina os sonhos da gente. Sozinha, muitas vezes, respiro cansada, e em cada arfar se apaga uma luz. Um poste que passa pela cidade. Uma poça de água na rua molhada. A chuva que grita no céu a nossa dor. E, de repente, já não estou mais por aqui. Deixo de mim os retalhos do que construí. Retalhos e coleções passados por mim, de cujos donos roubei um pedaço do coração.