segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Nos cartazes da cidade, "procuro-me, e pago recompensa"

Estou de volta. Novas cicatrizes para comemorar, contudo. As feridas antigas cederam lugar às novas. Ardidas e frescas, como todo o molhado do sangue que acaba de escorrer, liso, pela pele. Este novo eu é decepcionado. É frustrado. Sequer sonhar se permite. Conquista e perde. Tenta e erra. Desiste e se afunda. Garante e volta atrás. 

De tudo, o que mais tem mudado e impactado, sem dó ou misericórdia, é a imagem que faço de mim. De como projeto o meu eu no mundo, interior e exterior. De como vai a minha personalidade no que faço, no que amo, no que falo. De como tento escapar de tudo. De como tenho abrido mão de tanto, por tão pouco, reclusa nas desculpas que me dou o tempo inteiro.

Eu minto. Eu minto, constantemente. Para mim. Me engano e trapaceio. Invento motivos complexos para erros simples. Perco o interesse pelo o que esta a minha volta e me tranco no egoísmo dos meus dias, que são, na verdade, sempre noites. Nubladas, sem a luz de estrelas, ou da lua, que sempre me vem minguante. Minguando por dentro. Secando.

As nuvens estão carregadas e o céu trovejando. Mas, a chuva que cair não fará nada brotar. Arrasará a terra, ao contrário. Destruirá edifícios, fará desfiladeiro, carregando abaixo o que vier. Não trará consigo semente e plantio. Afogará. Deixará a quem cruzar sem moradia, fora do templo da vida. A mercê de ajuda e bondade alheia, que nunca vêm. Eu sou esta chuva que corrói o que toca. 

O meu gosto mudou. Tomo o café amargo não porque aprecio o seu sabor, ou porque reconheço seu valor. No amargo do café me reconheço. Nas notas intragáveis que tem a mim possuído. E por tudo isto, minha linguagem se vulgarizou. Os  arranjos gramaticais não me atraem como a depravação dos versos ungidos de discórdia. De conflito. Do que já vem marcado de arrependimento.

O escrutínio pelo o que é alheio se decantou, tornou-se visto por olhos distorcidos pela inveja, que não reconhece o arado no outro. Que justifica e pouco admira. Que reduz tudo a nada. Eu acabei pó. Insolúvel, porém. Não me misturo. A nada dedico apreço ao ponto de acompanhar. Pois já não sei mesmo sequer apreciar. 

Adoeci, por fora, por dentro. Estou oca, na verdade. Só sei merecer. Pedir. Me ver como a grande injustiçada pelas mazelas do mundo, ainda que saiba o quão pequena é a minha luta. O quão nada digna a minha história é para ser contada. E o quanto sou fraca por não suportar. Por doer. Por doer tanto e desse jeito. Por me deixar assolar pela vastidão deste vazio que traz essa dor, aguda, sem conteúdo nenhum.

As novas feridas e cicatrizes, ou as fiz eu mesma, ou permiti que as fizessem em mim. Por tão pouco. Por tão pouco. É por isto que doem. Pelo pouco que representam. Pela ilusão de onde se originam. Pela punição a qual me obrigo por ter errado tanto. Pela fraqueza de me perder, sabendo o caminho de cor. Estou perdida, de fato. Perdida por amnésia de opção. 

Gritei por um caminho, tantas vezes, tendo-o na mão, e o recusei sem pestanejar. Por vaidade de não permitir a condução de alguém. E me desgracei ao fazer escolhas erradas pelo simples desejo de impor o erro, como autoridade de que sou senhora do meu destino. No afã de me impor a mim mesma, soltei as rédeas que tanto revindicava.

Me degrado porque sofro com maestria. Sofrendo, talvez pela dor eu seja vista. E dela eu faça cama. E dela eu faça fama. Pois brilho nenhum agora me habita. E, não podendo iluminar, que eu empreteça os tantos caminhos quanto eu cruzar. E possa, então, por sofrer de todos estes males fabricados, cavar o meu buraco, porque caindo alguém poderia me segurar.

Pela pena que me imponho, não a sanção, mas o sentimento, peço resgate em dinheiro, por ter eu mesma me roubado de mim. Me trancafiado nos calabouços em que se morre devagar, segundo após segundo, antes de mais nada, de solidão. Espalhei pela cidade cartazes de "procuro-me e pago recompensa". Dou-me àquele que me trouxer de volta.

domingo, 17 de março de 2019

Eu já escrevi mais do que deveria. Pouco menos de três meses, e já não há tira de papel vazia, sem letras, sem sentimentos, impressos pelo risco da caneta. Escrever não é sempre elaborar. É fugir, correr, disfarçar. Tem sido assim, para mim. O que fazer? Como vencer a guerra travada no meu coração? Diplomacia, nunca meu forte. Estive sempre no front. Combatendo. Armada. E agora, me encontro simples e irreconciliavelmente envolta por um silêncio, que me parece mais adequado. Deixo as batalhas, pois já não sei se poderei vencer. Me distancio, mas há uma corda invisível que me cobra voltar. Não irei. Erro mais uma vez, e me consumo pela derrota sobre mim mesma. O que é que se passa na minha cabeça que me permito arriscar? As coisas estão suspensas, e em minha boca o amargo trazido pelo arrependimento por tantas e todas as más escolhas. Poderei me perdoar? Como seguir, presa ao que passou, sem querer estar? Quis tanto descobrir... Quis tanto decifrar e conhecer... De fato, ter o que se quer é o verdadeiro fardo a qual estamos destinados.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Ele me enche de vazio. Estar com ele é estar oca, por dentro. Não sentir nada. Absolutamente.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Terra fértil

Março, para mim, é terra arada. Pronta para plantar. Nem sempre as sementes que caem de minhas mãos vingam ou dão bons frutos, porém. Sigo, ainda assim, semeando, plantando, adubando. A verdade é que nem sempre depende somente da gente ou das nossas sementes. Tem ano que há seca. Tem ano que as chuvas alagam as plantações.

Nessas horas, precisamos estar preparados para recomeçar. Arar e colher é isto: um movimento constante onde se equilibram um pouco de fé, um pouco de ação, um pouco de esperança, um pouco de frustração.

Março, para mim, é tempo de colocar as mãos na terra que é a gente e se conhecer. Se revirar. Molhar e sentir o cheiro da chuva em nós, por dentro. E assim, se fazer terra fértil daquilo que queremos que floresça no ano que há de vir, sabendo que nem tudo poderá brotar, mas que estaremos prontos para recomeçar a qualquer instante.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Eu levo um pouco de areia nos bolsos, para dar saudade do último mergulho que eu dei no mar. Do jeito que as ondas ajeitaram os meus cabelos para trás. Da sensação de infinito que só a água salgada é capaz de trazer, levando embora o cansaço e a desesperança. Que o primeiro mergulho é sempre um mergulho no imprevisível. E não há volta, depois que entrou no mar: ou se molha, ou se molha.

Eu deixo, também, um pouco de areia nas bolsas, para lembrar que sempre cabe uma coisa a mais, também no coração. E que não faz mal um pouquinho de desordem, pois nem tudo precisa perfeitamente se encaixar. Procurar faz parte do processo: e nada como uma bolsa de praia para me fazer entender isto. Quando ela estiver com bastante coisa e areia, terei que ser radical: tirar tudo de dentro, vira-la para baixo e sacudir. É assim também com a vida.

Eu deixo um pouco de areia nos pés, para lembrar de ter cuidado por onde eu pisar, pois um mínimo descuido desapercebido e pronto: o carro ficará sujo por alguns meses, até ter os tapetes novamente lavados. Andar com os tapetes sujos me faz lembrar que tenho responsabilidade pelo que faço. E pelo descuido do que não faço. E que não sou só eu que lidará com a bagunça que eu fizer, pois há sempre o banco do carona.

Eu deixo um pouco de areia no corpo, para lembrar do quanto exagero: bronzeador, eu passei. Que no afã de me amorenar, eu esqueci que o sol queima a nossa pele naturalmente, e que, às vezes, é melhor recuar e usar protetor, do que lamentar pela pele ferida, vermelha. Que há inteligência em dar dois passos para trás, quando assim for necessário. Não há bronzeado de um final de semana de acelerador  que supere o de um verão inteiro com protetor. 

Eu deixo um pouco de areia pelo coração. Para entender que, da onde eu vier, sempre trarei um pouco da praia comigo. É um furto consentido. Necessário e que me faz crescer. Pois, na pior das hipóteses, me faz aprender a conviver com o que incomoda e com o que me dá saudade.

As mãos, porém, eu sempre deixo limpas. As mãos eu uso para afagar, e ninguém deve sentir na pele a areia que eu carrego comigo. Delas, só sentirão o mesmo carinho que eu sinto, quando me sinto acolhida pelo mar.


Talvez eu não saiba 
Por onde ando a caminhar
Fecho os olhos
Porque não quero me acostumar
Com a escuridão.

Nem mesmo essas palavras
Saem de dentro de mim
As trago à força, à superfície
Pois já me sufoco, sozinha.

Vou me reencontrar em alguma esquina?
O velho eu, tão mais sábio que agora.

Fecho novamente os olhos
Fingindo que faz bem somente sonhar.
Engano o meu coração com pouco
Disfarço rastros de lágrimas, sorrindo.
Dançando.

Quanto de vazio há por trás desses olhos?
Fagulhas de uma prisão
Desleal e vitimista
Atordoada, amarrotada, atravessada, impregnada.

Vou me reencontrar quando a primavera chegar?
Ou serei mais uma daquelas sementes que se negam a florir?





terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Ontem fui dormir pensando nele. E hoje acordei, também, com ele no pensamento. Tantas coisas novas descobri quando ele chegou. Tantas que já estavam aqui, mas não podia ver, nem sentir. Outras, que só ele poderia me entregar, de fato, pois as carrega como sua impressão digital pelo mundo. O que só ele desvenda e enxerga. Só ele cativa e desinibe. Dificilmente não irei dormir com ele, de novo, no pensamento. Já não ofereço resistência, vou deixando seus trejeitos dominarem tudo aquilo que vai se formando na imaginação. Nuvens de lembranças e expectativas vão sendo criadas, e já não consigo mais distinguir o que é real. Adormeço, aquecida por todos os sentimentos bons que ele me faz experimentar. Sei que nada vai mudar, e também isto é reconfortante. Por aqui, dentro, eu é quem me entrego, sem platéia, a tudo de mais precioso que ele trouxe quando chegou: frescor, como se eu tivesse uma nova chance, todas as vezes que fecho os olhos, de ser feliz.