segunda-feira, 4 de maio de 2020

Sal e limão e tudo de novo - Parte 1

Eu entrei naquele clube, sozinha, atrás dele. Eu sabia, antes mesmo de sair de casa, que eu o encontraria ali. Passei pelos guichês de entrada, para fazer meu registro. Entreguei a minha carteira de identidade, mas, a verdade, é que eu mal me reconhecia naquela foto. Já estava tão distante da menina que sentou em frente ao japonês do centro comercial para o retrato 3x4. Já havia tão pouco dela em mim. Aguardei, não estava impaciente. Alguns segundos depois, a minha entrada foi liberada. Uma moça de cabelos avermelhados carimbou no meu pulso o símbolo do lugar, fluorescente, e o segurança atrás dela abriu a porta para que eu entrasse. A música que tocava, antes abafada, rapidamente invadiu a antessala, e as luzes deram lugar ao cenário escuro. Dei o primeiro passo e entrei, sentindo a porta se fechar atrás de mim. 

Me lembro muito bem de ter sentido frio. E de ter parado ali, no vão da entrada do clube, olhando tudo ao meu redor. Do lado direito já podia notar um casal, conversando, se conhecendo. Permaneci parada por instantes que não saberia precisar. Fui esbarrada por meninas que passavam, em fila, em direção ao banheiro, que ficava na direção oposta à pista de dança. Logo à minha frente havia o bar, com pessoas indo e vindo, se espremendo para comprar uma bebida. Decidi que seria aquele o meu primeiro destino, e me lancei naquela direção. Fui criando passagem por entre homens e mulheres, sentindo, a cada ultrapassagem, um pouco de arrependimento por estar ali. O fato, no entanto, era que ainda que tudo desse errado, eu estava vazia por dentro, e completamente machucada, sem saber como me preencher. Portanto, mesmo que eu soubesse desde o princípio que todo aquele barulho, aqueles desconhecidos, a euforia transitória e efêmera daquele ambiente não me preencheriam de forma alguma, eu os usava como um disfarce, como uma distração para a mente. Algo de concreto ao que eu poderia colocar a minha atenção para sentir.

Todos esses pensamentos foram construídos no percurso que fiz até o bar. Tento me lembrar da música que estava tocando, mas o esforço é em vão. Eu me sentia em câmera lenta, não estava em completo discernimento. Consegui encontrar um espaço na bancada e, para a minha surpresa, fui logo atendida pelo rapaz que me perguntava o que eu desejava beber. Por alguns segundos eu me lancei a fitar aquele olhar, a mão estendida em minha direção, a espera pela minha resposta. Eu reconhecia o cansaço naqueles olhos, no arfar pesado da respiração. Já eram duas da madrugada, e o mundo continuaria na manhã seguinte, sem dúvidas. Eu respondi: duas doses de tequila. Ele sorriu, consentindo, e logo em seguida buscou a máquina do cartão. Paguei, e ele logo se pôs a preparar a bebida. Sal e limão já estavam na minha frente quando ele voltou com a garrafa e os dois copos. Me serviu o líquido e perguntou se eu gostaria que ele tirasse uma foto ou filmasse enquanto eu bebia. Olhei para ele, com um sorriso diferente nos lábios e respondi que, naquela noite, seria melhor que nem eu mesma soubesse que estava ali. Ele entendeu perfeitamente, gargalhou em meio ao barulho, de modo que sequer ouvi a sua voz, e me deixou para atender os demais.

Coloquei o sal no dorso da mão, depois a levei à boca. Com os lábios já salgados, bebi o primeiro copo, e logo em seguida, o limão. O ardor que eu sentia justificava a minha dor. No amargo descendo pela garganta eu me reconhecia. Havia um pouco de mim e de quem eu andava sendo naquelas sensações. Me eram familiares, razão pela qual eu não as repelia, ao contrário, me deixava sentir a bebida a cada milímetro que percorria no meu corpo. Senti minha pele se arrepiar por inteiro, muito possivelmente, também, pelo frio que pairava lá dentro, que me fazia pensar, sobretudo, o quanto exposta eu estava com aquele vestido preto de alças finas e cetim. Os cabelos estavam lisos naquela noite e me encarreguei de passar cuidadosamente um batom vinho, como se naquela cor eu pudesse encontrar alguma força. Já era hora de beber a segunda dose. Começaria a preparação do ritual novamente, quando, ao lado, uma voz à minha direita se projetou para o rapaz que havia me atendido antes, pedindo, para si também, uma dose como a minha.

Não tive coragem de olhar para o lado e levantar o meu rosto para enxergar quem estava ali. Embora eu conhecesse com precisão o tom daquela voz. O ritmo particular daquela fala. A intimidade expressada na referência a mim. A altura bem acima da minha. A imponência do corpo. Eu dizia em pensamento para mim mesma que não, não permitiria me enganar tão facilmente pela própria mente fantasiosa. Me punia dizendo que eu parecia uma criança com o coração batendo daquela forma, que as mãos não tinham razão nenhuma para estarem tremendo. Meu corpo estava dormente, os dedos formigavam. Eu paralisei. Congelei completamente. Meus olhos seguiam o rapaz do outro lado da bancada do bar sem perder nenhum dos seus movimentos, abrindo e levantando a garrafa, cortando o limão, preparando o sal. Ainda assim, não virei meu rosto para encarar quem eu tentava me convencer de que não estaria ali. Talvez eu não pudesse suportar nenhum dos cenários, fosse ou não fosse ele. Eu via que ele me olhava, por completo. E, naqueles segundos, onde eu pude reparar em tudo ao meu redor, sem sequer me mover, eu me convenci de quão errada eu estava por ter me arriscado tanto.

E então, no balcão, ao lado do meu copo, um outro foi colocado. Olhando para o atendente, vi que ele sorriu novamente, como que se estivesse me dando o aval de que a hora havia chegado. Eu olhava diretamente para os seus olhos, imóvel e ofegante. Não sei bem o que se passava em sua cabeça, mas isto pouco me interessava, na verdade. Abaixei os olhos, fitei o meu copo e ensaiei os primeiros movimentos para beber a segunda dose. Absolutamente tudo passou pela minha cabeça. Como eu poderia me deixar estar assim, completamente tomada de pavor e medo? Eu tinha que reagir. Afinal, apesar de tudo, eu sabia quem eu era. Eu estava perdida, mas ainda assim, eu sabia quem eu era. Decidi que beberia aquela dose e sairia dali. Iria embora. Levei a mão esquerda ao balcão para colocar o sal e, no momento em que faria o mesmo movimento com a mão direita, senti outras mãos nela. Senti os dedos dele se entrelaçando aos meus, fazendo com que a minha mão ficasse guardada na dele, tão maior que a minha. Me lembro de ter fechado os olhos, indefinidamente. E de sentir um empurrão vindo do aglomerado de pessoas atrás de mim. Eu precisava me virar e encarar aquele olhar. E foi isto que eu fiz.

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